Minha vida militar1

Kurt Ulber2

Minha vida militar começou em Brusque.

Servi no Tiro de Guerra 317 em 1940. Em outubro de 1942 fui convocado para o 32º Batalhão de Caçadores em Blumenau. De Blumenau fui para o 15º Batalhão de Caçadores em Curitiba. De Curitiba, para o 6º Regimento de Infantaria de Caçapava, em São Paulo. De lá fomos para a Vila Militar no Rio de Janeiro. Estes transportes foram feitos de caminhão e trens de carga.

            No Rio de Janeiro começamos a receber instruções com instrutores americanos, recebemos uniformes de campanha, e fomos incorporados ao 11º Regimento de Infantaria de São João del Rei, Minas Gerais. Embarcamos em setembro de 1944 no 2º Escalão da FEB, no navio americano General Meigs, escoltado por quatro destroyers, éramos 5.200 soldados e mais a tripulação, de mais ou menos 800 marinheiros. O navio era totalmente equipado com canhões de grosso calibre e metralhadoras muito potentes. Foi servida comida americana, e diariamente recebíamos uma laranja e uma maçã. Um dia foi servida uma feijoada, ficamos contentes ao vê-la, mas foi grande a surpresa quando sentimos que era doce em vez de salgada, portanto, não prestou. No 5º ou 6º dia foi transmitida pelo alto-falante a ordem de se preparar para o abandono do navio, não foi fácil nem agradável esta ordem, mas chegando ao convés fomos informados e acalmados pelo comandante, que disse que era apenas um exercício, porém não estava satisfeito, pois levamos 10 minutos para chegarmos ao convés. Nos dias seguintes houve mais exercícios idênticos, até que conseguimos chegar ao convés do navio em 6 minutos, isto é, os 5.200 soldados, em apenas 6 minutos.

            Muitos dos nossos soldados enjoaram nos primeiros dias de viagem, e outros passaram muito mal ao fazerem as primeiras necessidades. Eu, por exemplo, tentei durante quatro dias até que consegui; isso era efeito do balanço do navio. No dia 27 de setembro fizemos a travessia da linha imaginária do Equador, e finalmente depois de quatorze dias dentro do navio chegamos ao nosso destino, porto de Nápoles, Itália! Em Nápoles já podíamos fazer uma ideia do que estava esperando por nós, vendo as casas destruídas, navios arruinados e meio submersos, outros só aparecendo um pedaço do casco, os canhões abandonados, as fortificações arrasadas, etc. Em Nápoles deixamos o navio e embarcamos em embarcações costeiras, que nos levaram até Livorno, uma travessia que durou dois dias, pois o mar estava muito agitado e não dava para encostar no porto. Estas embarcações levavam 200 soldados, os beliches para cinco eram muito baixos, e desviando de uma lata de salsichas de 5 kg deu o que fazer, pois todos os soldados, inclusive os tripulantes, enjoaram e começaram a vomitar, tinha tripas das salsichas dependuradas em todos os beliches.

            No 12º dia ao léu das ondas, afinal conseguiram encostar-se no porto e desembarcamos, caminhões americanos estavam esperando, nos quais embarcamos e seguimos rumo a Pisa. Um soldado do meu lado apontou para a torre de Pisa e falou – olha lá! Com certeza caiu uma bomba perto da torre e ela ficou torta! Falei a ele que ficasse quieto e expliquei que ela foi construída assim, é a 7ª maravilha do mundo.

            Em Pisa acampamos na localidade de San Rosori em barracas de duas pessoas, meu companheiro era um negro baiano (este companheiro tive a alegria de rever depois de 36 anos quando lá estive em julho de 1981). As instruções continuaram, recebemos armamento moderno e fizemos muitos exercícios de campo, deram-nos armas e munições, mandaram subir nos morros nos quais se achavam soldados com sacos cheios de latas vazias de conservas, as quais eles jogavam morro abaixo e nós íamos atrás das mesmas dando tiros, para criarmos conhecimento e confiança nestas armas novas.

            De Pisa fomos para os subúrbios da cidade de Lucca, na qual continuamos os exercícios de campo, abaixo de muita chuva, ficando dia e noite molhados. Nesta localidade havia muita plantação de oliveiras, e eu estando debaixo de uma bem carregada, apanhei uma e coloquei-a na boca. Quando a mastiguei vi a bobagem que fiz, pois estas azeitonas travam cem vezes mais do que o nosso caqui verde.

Depois de recebermos uniformes secos, embarcamos em caminhões americanos que nos levaram para o Front (linha de frente), passando Porretta Terme, localidade antes de Silla. Desembarcamos, pois já estávamos ao alcance dos canhões inimigos. Em Silla tínhamos de atravessar a ponte de Marano, mais conhecida por nós como ponte de Silla. Esta ponte estava na mira dos alemães, pois diariamente a bombardeavam. Em Silla, uma vez com o equipamento completo, recheados de munição, todos em coluna, a uma distância de 4 a 5 m, começamos a subir para a linha de frente em Bombiana, que ficava bem de frente ao Monte Castelo. Nesta subida nos atolávamos na lama até os joelhos, chegamos ao destino sujos iguais a porcos.

Substituímos o 6º RI, fazia muito frio com chuvisco já na primeira noite, às 10h recebemos o batismo de fogo, que não é fácil, pois não se diferencia as bombas que vão das que vêm. Tiroteio começou às 10h da noite e durou até as 5h da manhã do dia 2/12 ao dia 3/12/44, durante a noite mourões de cerca pareciam que se mexiam, aparentavam soldados inimigos, apareceu um porco, quase atirei pensando que era um alemão, mas vi que não era soldado, e sim um porco mesmo. Perto das 5h, falei para meu companheiro Roque que o tiroteio estava diminuindo. Ele foi verificar mais para a retaguarda e não voltou, esperei mais um pouco e falei para o soldado Machado que o Roque ainda não tinha voltado, ele me respondeu que iria verificar e também não voltou, aí fiquei com a pulga atrás da orelha: será que os dois foram raptados ou mortos? Esperei clarear o dia, era mais ou menos 7h quando vi um italiano com uma vaca na corda, a mulher com uma criança no colo. Perguntei pelos soldados brasileiros e ele me respondeu que fugiram, o que confirmei quando encontrei latas de comida, munição e armas abandonadas. Era uma vergonha, pois encontrei de tudo, menos vestígio de soldados inimigos. Desci o morro junto com a família italiana, na descida encontrei um 2º Sargento muito ferido, fiz os primeiros socorros, o acomodei e disse a ele que os padioleiros já viriam buscá-lo. Quando cheguei junto à companhia, o Comandante do pelotão estava revoltado, pois falaram para ele que eu tinha entregado aos alemães, pedi pelo Capitão, ao qual eu disse que não dei nenhum tiro a noite toda, pois não havia visto nenhum soldado inimigo e que nem agora não tem nenhum lá, fez uma porção de perguntas, e eu sempre confirmava que não havia soldados inimigos lá. Pedi que reunissem a companhia e que retornássemos às nossas posições, eu falei que ia à frente para mostrar que não havia mais inimigos. Reuniu a companhia e subimos, quando lá chegamos, ele ficou surpreso com as armas e munições abandonadas. No mesmo dia ao anoitecer fomos substituir, levaram-nos a Granaglione para recuperação durante três dias, depois do 3º dia de descanso, fomos para o local de La Casona, bem defronte de Monte Castelo. Atacamos Monte Castelo em 12/12/44, houve muitos mortos e feridos, mas não o conquistamos. Em seguida começamos com as patrulhas, geralmente feitas por um grupo de combate, a minha função era de esclarecedor, conforme o terreno eu ia 50, 100, até 150 metros na frente do grupo. Diversas eram as funções desta patrulha: patrulha de esclarecimento, patrulha de observação, patrulha para fazer prisioneiros, etc. Nestas patrulhas recebíamos senha e contrassenha em inglês, pois era possível nos encontrarmos com os americanos; quando nada de anormal acontecia, tudo bem, mas ocorria diversas vezes de nos confrontarmos com patrulhas alemãs e depois de um confronto, qual de nós se lembrava ainda da senha. O jeito era ao voltar, chegando perto das nossas posições, chamarmos nomes em português, nomes estes que todo bom brasileiro conhece muito bem. Para quem chegar a ler isto, deve sempre lembrar-se de que 50% ou mais dos nossos soldados eram analfabetos.

Lá pelo dia 20/12 veio uma tropa nova nos substituir em La Casona, passamos o natal em Silla, dia 24 para 25. Caia neve, nunca tinha visto isso antes, a partir do dia de natal era muito frio ainda, mas era um frio menos doído, um frio seco. Voltamos novamente para La Casona dia 27/12, de lá fomos para Lizzano depois para Lizzano em Belvedere. Numa destas mudanças vimos um capelão morto em Lizzano, observamos movimento de inimigo, comunicamos nossa artilharia, esta deu um chega pra lá no inimigo. Voltamos para La Casona. Antes da tomada de Monte Castelo fui chamado e o Capitão me ordenou que me preparasse que à tarde um motorista com Jeep viria me buscar, me levaria para o depósito para apanhar uniforme limpo, pois eu era o escolhido do Batalhão para passar quatro dias de diversões em Firenze. Passei em Porretta Terme para tomar banho e depois rumo a Firenze, os quatro dias foram maravilhosos. Bebidas, comidas, cigarros, chocolates e mulheres, músicas italianas e americanas, rock and roll. No quinto dia voltei para La Casona, dia 21/02 tomada de Monte Castelo, de lá Abetaia, para Vinola, cavamos buracos debaixo das raízes de castanheiras, depois para Riola, para Castelnuovo, neste lugar fui obrigado a fazer uma patrulha de dia, que é muito pior! De longe o inimigo já avista a gente e fica observando todo movimento, nós também víamos os inimigos. Comuniquei todo movimento da povoação: eram doze casas ocupadas por soldados inimigos, os quais abriram fogo contra nós, no mesmo instante os nossos tanques abriram fogo e quando terminaram não tinha mais uma destas casas em pé, imediatamente veio ordem para ocuparmos o lugar, no qual conseguimos fazer dois prisioneiros.  

Mazzarozza

Camaiore

Monte Prano

Fornari

Galicano

Barca

San Quirico

Monte Cavallaro

Monte Castelo

La Serra

Santa Maria Villiana

Montese

Paravento

Monte Maiolo

Rivela

Zoca

Formigine

Colechio

Castelvetro

Fornovo

San Benedetto

Castelnuovo

Abetaia – Vinola – Riola – Belvedere – Laiola – Lizzano em Belvedere – São Paolo de Enza – Francolise

 

Campanha da FEB

Efetivo: 25.394

Mortos: 465

Oficiais: 21

Praças: 444

Feridos: 2.722

Prisioneiros: 35

Extraviados: 16

 

João Nunes Ribeiro

Avenida Ary Paineiras 74/1002

Niterói - RJ  Tel: 714-0062

CEP 24000-000 

 

Divisões inimigas alemãs: 

42ª Divisão Ligeira

90ª Divisão Motorizada

114ª Divisão de Infantaria

148ª Divisão de Infantaria

232ª Divisão de Infantaria

305ª Divisão de Infantaria

334ª Divisão de Infantaria

 

Divisões inimigas italianas:

Divisão Monte Rosa

Divisão San Marco

 

Nápoles – Livorno – Pisa 

Antes de embarcar na guerra: acampamento San Rosori – Lucca – Porretta Terme – Silla – Bombiana – Granaglioni – La Casona – Monte Castelo – Lizzano – Lizzano em Belvedere – Abetaia – Vinola – Riola – Castelnuovo – Montese – San Paolo de Enza – Torino – Alpes Suíços – Alexandria – Francolise.

Acampamentos após a guerra: Roma – Pompeia – Firenza – Veneza – Módena.

 

1. O texto original foi escrito à mão por Kurt Ulber, expedicionário da II Guerra Mundial, não tem título e foi transcrito pelo seu neto Sergio Antonio Ulber.

2. Kurt Ulber (*2.11.1922 +25.10.2006), casou em 13.03.1948 com Ilma Imhof, filha de Xavier Imhof (Safe) e Rosa Schwarz. Nas certidões de nascimento, batismo e casamento, seu nome foi grafado "Kurt", sendo este o seu nome correto, enquanto que nos documentos militares, foi escrito "Curt".